Entrevista com Robson Miguel

Entrevista com Robson Miguel

concedida para o História & Arte, em 29 de junho de 2009.
Robson Miguel
Robson Miguel
Robson Miguel é um cidadão ribeirãopirense. É também um músico virtuoso de reconhecimento internacional, merecidamente agraciado com inúmeros títulos, homenagens, honrarias e prêmios no Brasil, na América Latina, Europa e Japão, faltando ser devidamente reconhecido na prática somente aqui, na sua cidade. Já participou dos principais programas de entrevistas e música da TV e do rádio e, naturalmente, já fez centenas de shows tanto em teatros e palcos consagrados como nos mais humildes, levando a todos a oportunidade de conhecer  passagens fascinantes da nossa história e da cultura indígena, mesclado ao raro prazer do ecletismo da sua música, ao mesmo tempo divulgando o nome da nossa cidade em suas andanças pelo Brasil e pelo mundo. É também representante legítimo da cultura indígena como único Cacique Guarani Cafuzo do país, juntamente com sua adorável esposa, a Índia Tikuna, We’e’ena. Juntos, além de propagarem a cultura musical com rara erudição e abrangência, defendem as causas indígenas e fazem extensas pesquisas e levantamentos sobre sua cultura no ABC e além,  ajudando a corrigir erros seculares sobre como vemos os costumes indígenas, sempre com o incansável otimismo, pureza e energia características de suas etnias e formação.
Por tudo isso, Robson Miguel já foi consagrado como Personalidade Brasileira dos 500 anos, Personalidade da Cultura de 2002, recebeu a Homenagem da Ordem dos Músicos do Brasil, foi eleito Violonista Magnífico de 2002, recebeu a Comenda da Ordem do Mérito da Educação e Integração, a Medalha de João Ramalho, a Comenda da Soberana Ordem de D. Pedro I, a Medalha Maestro Carlos Gomes, a Grã Cruz do Mérito Filosófico e Cultural e é Chanceler Ambiental, porta-voz da causa e da cultura indígena, entre muitas outras honrarias e hoje ocupa o 1º lugar no Ranking Mundial de Violonistas, com dezenas de CDs, DVDs e vídeo-aulas gravados.
História e Arte entrevistou o Mestre Violonista em seu Castelo, situado em nosso município, um conhecido ponto turístico da cidade, construído e mantido com recursos próprios em homenagem às origens do violão para ser também um museu da história local e brasileira. Eis então como foi:
Robson Miguel
Robson Miguel
H&A: Primeiro gostaríamos de fazer uma pergunta óbvia e bem batida, que você sem duvida já respondeu milhares de vezes, mas é uma pergunta que acho necessária para que os que ainda não conhecem sua música possam se orientar: quais foram suas influências musicais mais marcantes e como tudo isso começou?
RM: Bem Robert, primeiramente para mim é um prazer muito grande poder estar deixando meu depoimento para o História & Arte, num momento bastante oportuno em que Ribeirão Pires atravessa uma fase de transição de antes e depois desse site que eu posso considerar como duas fases da história da cidade, ou seja, H&A deixou um marco na História da cidade de Ribeirão Pires e fico muito feliz de fazer parte dessa história.
A minha História como violonista começou assim: nasci no estado do Espírito Santo numa região de mangues dos Aribiris (indígenas Guaranis) e comecei estudando trompete, que era o instrumento do meu pai, e sax, porque ele era músico do exército, até que com nove anos chegou à minha casa um disco de violão de Dilermando Reis tocando Abismo de Rosas, chorinhos, Odeon... e eu vim a conhecer o violão solista, diferente do violão que acompanhava os cantores da época da televisão e do rádio, e me apaixonei pelo violão solo. Fui matriculado aos onze anos num conservatório – com nove no violão popular, com onze no conservatório – e me formei no violão clássico. Descobri aí o dom vindo de Deus e um "DNA musical" vindo dos meus "Miguéis", da história da minha família. E é essa a minha resposta. Daí, os convites não pararam mais, comecei a gravar CDs, hoje são 27 CDs, 2 na Alemanha, 4 na Espanha, 23 de aula-shows, e são 14 DVDs – entre DVDs de cursos e de shows.
Robson em seu Castelo
Robson em seu Castelo
H&A: A parte indígena da sua formação também influenciou sua música?
RM: Sim. Pois a maior parte dos instrumentos de percussão ligeira presentes na musica brasileira são da nossa cultura indígena: chocalho, maracá, caxixi, réco-réco, afoxé, ganzá ou casaca capixaba, cabaça, coco, guizos, sementes, pauzinho, apitos, até o tambor ameríndio e pau de chuva, muito usado em orquestras sinfônicas, ou tudo o que produz sons, para nós indígenas é um importante instrumento.
H&A: Como você vê o cenário musical de Ribeirão Pires na atualidade?
Robson em seu Castelo
Robson em seu Castelo
RM: Bem, não é que eu desconheça minha cidade, pois me considero cidadão ribeirãopirense, bem antes de receber o título de cidadania da Câmara Municipal, o título de cidadão ribeirãopirense na administração anterior, mas aqui é que construí minha história, meu castelo. Eu comecei aqui desde 1985 quando comprei duas chácaras e este ano se completam 10 anos de história do castelo e fico muito emocionado e feliz de vocês me pedirem pra contar essa história num momento oportuno: dez anos de aniversário do castelo, dez anos do meu cacicado e 35 anos de carreira musical. Dentro desse cenário eu conheço boa parte dos valores musicais da cidade de Ribeirão Pires, desde professores como o violonista Alessandro e o Daniel da escola de música do centro (Transasom), nosso grande cantor de ópera que cantou com Liza Minelli (Paulo Szot) lá fora, ganhando muitos títulos internacionais como o Tony Awards, que é aqui de Ribeirão Pires, sem deixar de falar no falecido Herbert Richers que todo mundo conhece pela frase "versão brasileira Herbert Richers", que mais marcou pela versão dos filmes da Broadway e tantos mais, enfim, nós temos aqui desde cantores, malabaristas, pintores de primeira grandeza, historiadores e no cenário musical, infelizmente não existia ainda um site, uma equipe preocupada aí, em dar a conhecer esses valores. São valores que estão aqui dormidos, apagados não é mesmo?
Castelo de Robson Miguel
Castelo de Robson Miguel
Primeiro eu quero culpar, de forma muito sincera e de novo, a política da cidade que ainda não abriu espaço para os filhos da casa, eles trazem muitos valores da área musical mesmo lá de fora, sou suspeito por falar, não é... mas não falo somente por mim mas pelos demais também, e às vezes se esquecem que temos valores também que são contratados por outras prefeituras pra prestar serviço lá e aqui o público da cidade clama, pede que haja oportunidade de conhecer nossos pintores, cantores, arquitetos, artistas, enfim, escultores e instrumentistas. Nós temos o Magbis, um excelente violinista. Eu fui encontrar o Magbis num show em San Martin na Argentina, e ele é violinista de primeira linha, ele e o irmão dele aqui da cidade, e tem que procurar fora por não encontrar abrigo na própria cidade... deixo aqui então a minha fala de indignação e a minha esperança no site História & Arte que pode mudar a história e a arte da nossa cidade, sem dúvida.
Robson e sua esposa, We
Robson e sua esposa, We'e'e'na
H&A: Essa situação sempre foi assim ou vem ficando pior com a passagem do tempo, de falta de apoio por todas as formas de arte?
RM: Eu fico com a segunda opção: ela se tornou pior e a cada vez vai ficando pior, porque a cada ano que passa, a cidade vai se tornando mais bonita, quero deixar meu gesto de valorização para a iniciativa do portal novo da cidade, a reforma do centro, mas infelizmente a destinação da verba, ela contemplou só o aparente, o dinheiro para a beleza física da cidade, o que é louvável, mas algumas outras coisas poderiam, com uma verba bem menor, contemplar paralelamente todos os valores, porque espaços a cidade tem. Ela tem espaços não só culturais, tirando o do vereador João Netto que está em fase ainda um pouco ruim, mas tem o Euclides Menato que é um auditório bom, o centro da praça, o palco – que a Prefeitura quando quer, ela traz valores e põe para funcionar nas festas, não é – e, por que não dizer, se a cidade a cada ano vem chamando mais atenção do cidadão do Grande ABC e de São Paulo como refúgio para os empresários porque encontram aqui natureza, abrigo e arte deveria estar para receber essa gente e, infelizmente, quando digo que vou jantar em Ribeirão, é mais conhecido como Ribeirão Preto que está a seis horas daqui do que Ribeirão Pires que está tão próximo de São Paulo, e a única forma de alavancar a atenção de tudo isso é se a cidade voltasse de novo a valorizar os empresários que tem como iniciativa promover a arte, a música e esses movimentos na cidade. Perdemos o Amarelinho, não é... não quero falar do proprietário, porque ele já falou demais sobre o motivo porque fechou as portas, perdemos o castelo de Robson Miguel, sou suspeito pra falar, mas minha intenção sempre foi de investir em história e investir em cultura e em educação, as três alavancas desse pais, mas infelizmente não consegui vencer esse grande gigante que é a política, a iniciativa política massacrou a gente e agora queremos, através dessa oportunidade deixar aqui a nossa fala de perplexidade, esperando que a coisa se torne melhor.
Cores do Brasil
Cores do Brasil
H&A: Na esteira disso, gostaria de saber se esse é um dos motivos porque você não vem se apresentando na cidade como músico? Porque eu mesmo estou aqui há tanto tempo, desde criança, e praticamente não pude vê-lo tocando a não ser na televisão e em programas como o do Jô Soares!
RM: Nem é preciso ir muito longe, no dia 2 de Agosto, a convite do Teatro Municipal de Mauá vou dar um belo show no teatro municipal da nossa cidade vizinha e esse DVD que presenteio ao História & Arte, com muito prazer, para que faça parte do acervo de vocês, foi gravado ao vivo, a convite, no Teatro Municipal de Santo André, só porque eu comecei a minha carreira de concertista e violonista ali, na cidade, a convite de Carlos Benedites que era o diretor na época, eu fiz um belo show dos seis que eu fiz, um deles gravado em DVD no Municipal de São Paulo, e estou esperando ser convidado para fazer um show na Festa do Chocolate ou no Municipal de Ribeirão Pires, no Euclides Menato, que para mim seria um prazer muito grande... meu cachê é tão barato que a cidade de Guararema, que tem menor poder aquisitivo, me contratou para dar um belo show no mês retrasado, e a cidade nem teatro tem, fizeram no clube da cidade um belo show de violão. O meu cachê é tão barato que antes de ontem fiz um show no Cenforp para a Prefeitura do município vizinho de Mogi das Cruzes, tão pertinho daqui, só falta a minha cidade de Ribeirão Pires... estou aqui à disposição.
recebendo prêmio
recebendo prêmio
H&A: Que projetos musicais têm para o futuro que possa nos contar?
RM: Não almejo coisas altas e me sinto realizado com que Deus e os fãs, que me ajudaram a construir minha carreira, me deram. Como plano futuro, o que posso dizer por enquanto é que pretendo realizar um projeto editorial bem cuidado, onde minha missão como músico e representante dos interesses indígenas possa ser retratada como sempre quis. Aguardem para ver...
H&A: Acho que sei ao que se refere (risos)! Uma última pergunta então: o que ainda não fez na sua carreira que gostaria de realizar?
RM: Penso que já fiz mais do que o que eu pensava que iria ou poderia fazer. Sinto-me muito feliz e realizado, tenho uma vida muito simples, caseira, e sempre que viajo é promovendo a musica que é o meu trabalho.
H&A: Gostaríamos muito de agradecer sua participação aqui no H&A, por nos receber aqui no seu castelo hoje e pelo seu tempo. Desejamos que os que ainda não acordaram para isso reconheçam de uma vez por todas seu talento, seu virtuosismo como músico – já muito reconhecido internacionalmente – e sua pessoa e de sua esposa We'e'ena, como patrimônios da cidade, pois sabemos que sem a iniciativa e qualidade de cada artista legítimo, que leva a sério sua vocação de vida, nenhuma cidade teria o que mostrar, pois uma cidade, um governo, não é capaz de criar nada por si, são seus cidadãos que fazem a cidade ser o que é, sendo antes sua função pública porporcionar condições dignas e justas para que cada um possa se desenvolver para o bem comum. Torcemos para que o apoio substancial aos artistas sérios da cidade seja um dia sempre um dever constante e não um favor, que atravesse administrações, incólume, sem sofrer revéses pelas alterações políticas de cada fase da cidade, pois deveria ser algo a pairar acima dos  pontos de vista e interesses momentâneos de cada nova administração, contando com uma sólida política visível de apoio, respeito e valorização, inclusive financeira, dos talentos e iniciativas locais sérias, de forma confiável e contínua como acontece em tantos países mais adiantados, lembrando que isto tudo só tem sentido se for feito enquanto ainda estamos todos vivos! Portanto não se pode perder mais tempo e oportunidades de apoiar o que é certo. O preço social a pagar pelas gerações atuais e futuras por essas e outras indignidades e omissões é muito alto para ser ignorado ou indefinidamente relegado a um segundo plano. Que o incrível talento e a determinação de artistas verdadeiros como Robson Miguel possa continuar a nos iluminar e nos encher de esperança de que ainda vale a pena. É isso.
RM: Quero agradecer também o carinho da Marta e do Robert do H&A e creio que daqui nasça uma grande parceria entre nós.

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